Atrever-se a Escolher o Seu Caminho, Ter a Coragem de Seguir Sua Paixão
Por Orlane Willems

Diz-se muitas vezes que a vida é feita de escolhas. Para mim, a maior foi esta: continuar num percurso apaixonante e exigente em medicina, ou abandonar esse caminho seguro pela incerteza ardente da música. Entre a estabilidade de um caminho reconhecido e o deslumbramento de um sonho frágil, escolhi o inesperado.
Nada me encaminhava, porém, para nenhum desses mundos. Cresci numa família modesta, onde cada final de mês era uma luta. Os meus pais, separados muito cedo, fizeram sempre o que estava ao seu alcance para me assegurar o essencial. Desde cedo aprendi que nada vem de mão beijada: tudo se conquista com trabalho e perseverança.
Foi assim que comecei a sonhar em ser médica, sonho esse que, na altura, me parecia inalcançável. Vinha de uma pequena escola de aldeia, distante de Bruxelas e das grandes instituições. Na minha cabeça, a medicina estava reservada aos filhos da elite, aqueles que já tinham um pé nesse mundo graças à família. Eu não tinha nem fortuna nem contactos. Por isso, dizia-me a mim mesma que talvez fosse mais sensato sonhar em ser fisioterapeuta ou enfermeira, uma vez que essas escolhas seriam mais realistas e mais alcançáveis.
Foi a minha mãe quem mudou a minha trajetória. Um dia, olhou para mim e perguntou: “Quando pensas no teu futuro, o que gostarias realmente de ser?” Respondi, quase envergonhada: “Médica.” Então disse-me, de forma simples mas decisiva: “Nesse caso, vais estudar medicina. Ponto final.” Foi um clique.
A partir daí, entreguei-me completamente aos estudos. No primeiro ano, saí à noite apenas duas vezes. Estudava dia e noite, obcecada com a ideia de não falhar. Prometi a mim mesma que não deixaria nenhuma cadeira por fazer, pois sabia que os meus pais não poderiam arcar com mais despesas. Recordava-me a mim própria que a minha dedicação acabaria por abrir portas. Seis anos depois, com o diploma na mão, cumpri a minha promessa.
No entanto, entre aulas, estágios e turnos, outra chama ardia dentro de mim: a música. Sempre fora o meu refúgio. Depois das aulas, dedilhava alguns acordes, treinava a voz, escrevia as minhas próprias canções.
Tudo começou quando eu era criança. Num pequeno concerto escolar, vi um rapaz tocar piano. Virei-me para a minha mãe e disse: “Quero fazer isso.” Ela inscreveu-me em solfejo e piano. Descobri um universo que me fascinou desde as primeiras notas. Mais tarde, aprendi guitarra e comecei a cantar. No meu quarto, inventava cenas, criava concertos imaginários: era, ao mesmo tempo, artista e público.
Um dia, durante o confinamento, publiquei alguns vídeos no Instagram. Não esperava nada, queria apenas partilhar. Foi então que, por acaso, o programa The Voice Belgique me descobriu.
E, de repente, tudo começou a acontecer: as audições, os elogios dos jurados, a entrada na equipa de Loïc Nottet. Ao mesmo tempo, fazia um estágio em ginecologia. Os meus dias eram um turbilhão: hospital de manhã, estúdio de televisão à noite. Durante nove meses, conciliei estes dois mundos com uma energia que nem sabia possuir.
Cheguei à final e, paradoxalmente, sou grata por não ter vencido. Isso obrigou-me a construir o meu próprio caminho, procurar os meus contactos, formar a minha equipa. Foi desse período que nasceu o meu primeiro EP: um mini-álbum de sete músicas ao qual dei o nome de Prisme. Cada canção tinha a sua cor, reflexo da minha sinestesia: essa ligação misteriosa que me faz ver os sons em tonalidades de cor.
Quando terminei os estudos, a escolha tornou-se inevitável: de um lado, a medicina; do outro, a música. Tomei a decisão mais difícil da minha vida: renunciar ao conforto e à estabilidade para seguir a minha paixão. “O diploma é válido para a vida” - repetia para comigo. “Mas só tenho uma juventude para tentar viver da minha música.” - acrescentava.
Os meus pais compreenderam e fizemos um pacto: nunca mais lhes pediria dinheiro. Já me tinham dado tanto. Fiz pequenos trabalhos para pagar a renda e a comida, enquanto continuava a escrever, compor e conhecer outros músicos.
Aos poucos, comecei a colher frutos do meu trabalho. Encontrei uma editora em Paris, dei os meus primeiros grandes concertos, assinei uma tournée. Aprendi saxofone, enriquecendo ainda mais a minha paleta musical. Este ano, fui nomeada para os NRJ Music Awards como revelação belga. Em breve, vou para o Japão em representação do meu país na Exposição Universal de Osaka.
Hoje, vivo no meu próprio apartamento, pago pela minha música. As minhas canções passam na rádio. Penso na menina que inventava concertos no quarto e tenho vontade de lhe dizer: “Tiveste razão em acreditar.”
Tenho consciência dos meus privilégios, por ser uma mulher europeia branca. Sei que essas características me trouxeram facilidades que muitos não têm, vantagens evidentes em relação a outras pessoas. Mas também sei que nada teria sido possível sem a minha paixão, sem o meu trabalho e o apoio incondicional dos meus pais.
Se partilho a minha história, é para mostrar que se pode vir de uma pequena aldeia e, ainda assim, encontrar o seu lugar em mundos que parecem reservados a outros; que é possível deixar a segurança para seguir a intuição; e que um sonho de criança pode, de facto, tornar-se realidade. Fui corajosa e vou continuar a ser.
“É possível deixar a segurança para seguir a intuição; e um sonho de criança pode, de facto, tornar-se realidade”
Esta história foi retirada do livro "Voices Without Borders: Women’s Stories of Courage and Resilience", editado e publicado pela editora angolana É Sobre Nós Editora e patrocinado pela Africa-Europe Foundation.



